Interview
Glaucia Maia: a mulher que mudou o perfil de primeira-dama e o urbanismo de uma cidade inteira
Por Gabriela - Em 29/06/2021 às 5:10 PM
Distante 150 quilômetros da capital cearense, o município de Aracati é, atualmente, um dos mais desenvolvidos e visitados do Litoral Leste do Estado. O prefeito, Bismarck Maia, atualmente em seu segundo mandato, vem trabalhando para que a cidade, a cada dia, seja sinônimo de modernidade e, ao mesmo tempo, preservação de seu rico e imponente patrimônio histórico. Além de uma equipe qualificada, o gestor conta com a importante parceria da primeira-dama Glaucia Maia, arquiteta e urbanista com larga experiência nas áreas de arquitetura de interiores, projetos de reformas e administração de obras. Mas não estamos falando de uma esposa de prefeito que se contenta com envolvimentos esporádicos ou atividades secundárias, e sim, de uma profissional que colocou toda sua experiência à serviço de projetos sustentáveis, preservação histórica e de um novo e importante olhar para a cidade. E mais, sem receber salário ou ocupar qualquer cargo público.
O início na arquitetura
Filha de um engenheiro calculista, Glaucia, com apenas 12 anos de idade, costumava acompanhar o pai em suas atividades. “Na minha infância acompanhava meu pai trabalhando em uma prancheta, não sabia o que ele fazia, mas admirava. Diante de minha curiosidade, ele começou a me apresentar seus trabalhos. Ensinou-me a desenhar e os primeiros passos foram com armaduras de aço de vigas e de pilares”, recorda. Com a adolescência, veio a necessidade de optar por uma profissão. Foi nesse momento que ela se submeteu a um teste vocacional e logo veio a boa surpresa: grande aptidão para a área de humanas. “Participando de várias palestras oferecidas pela escola onde eu estudava, defini que arquitetura e urbanismo seria definitivamente minha opção”, pontua.
Trabalho em Aracati
Com ampla experiência e grande reconhecimento no mercado, Glaucia se viu diante de um novo desafio logo que o marido Bismarck foi eleito prefeito de Aracati. De forma voluntária, ela percebeu que sua atuação na área de urbanismo seria essencial naquele momento. “Encontrei uma cidade abandonada, maltratada, com os equipamentos públicos destruídos, sem espaços públicos de convivência, enfim, uma cidade doente e esse sentimento refletia-se na população, em sua autoestima”, conta. De imediato, a arquiteta iniciou um intenso e meticuloso trabalho de pesquisa, buscando exemplos em outras cidades do mundo que a ajudassem a transformar aquele cenário encontrado, não somente físico, mas também humano. “Além de várias prioridades administrativas e financeiras exigidas no começo do mandato, iniciar a execução de algum projeto demandaria tempo. Assim, planejei inserir elementos como jarros em ruas, plantio de flores, etc.., ou seja, executar pequenos detalhes modificadores da paisagem, custeados por mim e de forma experimental”, ressalta.
Ações e iniciativas sustentáveis
E foi dessa maneira que surgiram iniciativas inéditas como o Beco das Flores, os jarros na calçada e o paisagismo dos canteiros, de início, apenas na Rua Grande, famosa por seus casarões históricos. “Comecei pelo exemplo. Era importante que as pessoas vissem alguém plantando, regando e cuidando da cidade com as próprias mãos. Aracati estava tão abandonada, com tantos problemas, que seria difícil perceberem a importância do urbanismo para a qualidade de vida e para o desenvolvimento que estava prestes a vir”, afirma a arquiteta. A resposta da população, entretanto, foi rápida, cobrando que essas ações se multiplicassem por toda a cidade, demonstrando, assim, o impacto positivo com a humanização e a percepção de um município cada vez mais vivo.
Por ser início de gestão e o município ainda não contar, na época, com um grupo de arquitetos, Glaucia Maia, literalmente, “colocou a mão na massa”, fazendo de forma voluntária projetos de algumas praças, bem como coordenando e sugerindo outros tantos. “Um desses projetos foi a Praça das Carnaúbas. A praça estava situada em uma região vulnerável socialmente. Neste equipamento projetei areninha, quadra de vôlei de areia, academia ao ar livre, quiosques, pista de skate e um pertinente mobiliário urbano. Todas as carnaúbas existentes foram mantidas e acrescentamos outras espécies de vegetação”, diz. Com isso, em pouco tempo, a autoestima da população e o orgulho de ser aracatiense aflorou novamente.
A repercussão foi tanta que o prefeito Bismarck Maia elegeu como uma das prioridades da gestão o paisagismo da cidade. Gestos simples como colocar placas com nomes de algumas localidades entalhados em madeira e fixados na entrada cativaram e sensibilizaram a população. Em uma tradicional e antiga passagem de pedestres, que era bastante imprópria e deteriorada, foi elaborado um projeto guardando todas as características da localidade de praia onde está e, hoje, a população a preserva.
Glaucia ainda destaca: “Pequenos detalhes foram pensados como parklets instalados na Rua do Comércio. Em tempo, parklets são áreas de convivência cercadas com bancos e paisagismo onde só existiam vagas para carros. Na Praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, para amenizar o clima árido que o local apresentava, foram fixadas jardineiras nos postes de eucalipto, feito um corredor de grandes vasos com palmeira Leque da China e onde já existiam canteiros, palmeiras Rabo de Raposa foram plantadas”.
Preservação do patrimônio histórico
No ano 2000, Aracati teve o núcleo urbano tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como patrimônio nacional. Glaucia assevera que a parceria mantida com o Iphan é excelente e que o Órgão os auxilia com sua tecnicidade. Conforme explica a primeira-dama, várias obras de recuperação, reforma e restauro desse rico acervo pertencente ao Aracati foram feitas e arcadas pela própria Prefeitura. Obras que estavam paradas, foram finalizadas e complementadas também pela administração local, como é o caso do Teatro Francisca Clotilde, fazendo com que a população se apropriasse desse novo equipamento. Além disso, outros prédios históricos foram adquiridos pela Prefeitura que, por sua dimensão e importância, já foram recuperados ou estão com obras em andamento.
Setor do Desenvolvimento Social
Outro campo de forte atuação de Glaucia Maia é o desenvolvimento social. Por sua iniciativa, foi realizada licitação no município para que uma empresa capacitasse e qualificasse os artesãos para o mercado atual, com design moderno. “Foi desenvolvida uma bela coleção lançada em desfile no III Festival Gastronômico. Nessa área, tivemos o Sebrae como parceiro que trouxe diversos cursos e a Ceart que avaliou e certificou alguns de nossos artesãos”, pontua. Ainda na Secretaria do Desenvolvimento Social, foi criada a “Conversa Rosa”, onde reuniões são realizadas em diversas localidades com a participação da mastologista Dra. Ayla Gonçalves, de forma voluntária, orientando as mulheres a como detectarem precocemente o câncer de mama e alertando para a importância de realizarem o exame anualmente.
Projetos e planos futuros
“Diversos projetos, sugestões e ideias no campo da arquitetura e urbanismo foram executados e concluídos na primeira gestão. Agora, num segundo mandato, muito mais ainda temos em ideias a serem entregues à população. Posso citar a Praia Acessível em Majorlândia, em parceria com o Governo do Estado, local onde projetamos e já construímos um grande platô, equipamento de lazer e orgulho da localidade”, adianta a primeira-dama. “Teremos uma praia absolutamente acessível para pessoas com deficiência. Elas poderão acessar a faixa de areia e o mar, com cadeiras especiais e toda a infraestrutura necessária”, orgulha-se.
À medida que a conversa avança, percebo que o sentimento de dever cumprido da arquiteta Gláucia Maia dura pouco, e vai dando espaço para dezenas de outras ideias. “Já imaginou levarmos esse entendimento para todas as cidades do Ceará? Levarmos esse conceito da preservação dos espaços públicos, da transformação das praças em locais de maior convivência, reduzirmos a sensação de calor, ocuparmos melhor áreas vulneráveis? ”. Ela me pergunta com a certeza de que não tenho outra alternativa a não ser concordar. “Devemos conscientizar as pessoas de que a cidade é de todos e é feita para todos. E provamos com o exemplo de Aracati que isso é possível e, mais ainda, muito importante”, completa. Agora, segundo ela, o desafio é dar o passo adiante e levar dignidade às famílias mais vulneráveis no atendimento da assistência técnica da habitação popular, implantando banheiros nas residências da parcela da população extremamente desfavorecida. “Esse projeto está sendo planejado através de pesquisas e estudos baseados em exemplos de diversas cidades e que desejo iniciar brevemente. Ao concluir este importante projeto, agregado a tantos outros, deixaremos um legado para o Aracati da responsabilidade de cuidar da cidade e dos que nela habitam, pois, sem cuidar, nada floresce. E isso cabe perfeitamente em qualquer município do Estado”, finaliza.